"Não consegui. Do grande esforço
através dos doze meses, doze signos, doze faces, só guardo essa certeza.
Que tonta travessia. Tudo bem, descansa. Faz parte não conseguir. Como
Sísifo, se queres mitologias. Queres ainda? Por favor, estou farto.
Brilhos baratos, as jóias eram todas falsas. Está certo, mas não
quiseram te fazer mal. O mal não existe reverso do bem. Tanto faz, só
peço que me deixem. Vou ficar encostado na árvore até amanhecer. Olhos
abertos, feito uma vela acesa. Se ela insistir, direi que não tenho
piedade alguma. Que não compreendo, não aceito nem perdôo mais a
loucura. Se ele vier, pedirei que fique. Serei bom para ele. Mentira,
não pedirei nem direi nada a ninguém. É indivisível, aprendi. Talvez
consiga dormir. Talvez consiga acordar amanhã finalmente livre de tudo
isso. Terei apenas um corpo, poucos pensamentos todos pequenos. Sei que
foi inútil quando os vejo obstinados recomeçar e recomeçar sempre. Uma
serpente que morde a própria cauda, um círculo infinito de enganos,
Maya. Talvez não, perdeste a fé? Não te castiga assim, está tudo em paz.
Nunca houve cães. É como uma cantiga de ninar nas cinzas do fim do
mundo. Um barbitúrico, se preferires. Entorpece, melancólico, te leva
para longe. Já se perdeu, não há futuro. Repousa, meu amigo. Deixa-me
passar a mão nos teus cabelos. Está amanhecendo. Em voz baixa, eu canto para te enganar."
Caio Fernando Abreu
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